San Bernardino Pass – atravessando os Alpes

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No começo da subida, trecho Thusis/Splugen

Ao traçar minha rota para ir da Suíça para a Itália, um questionamento um tanto quanto óbvio me veio à cabeça: como atravessar os Alpes? Passei a fazer algumas buscas quando tive acesso à internet e também perguntar para os viajantes suíços, quando estava em algum camping. E foi exatamente em um camping que eu ouvi pela primeira vez alguém mencionar a Estrada de San Bernardino. Eu disse que iria para a Itália e o senhor em questão me respondeu com uma naturalidade que inspirava confiança: “Ah, então você vai pegar a estrada de San Bernardino!” Corri para meu computador e vi as imagens mais lindas que alguém pode imaginar de uma estrada. Estava definido, era por ali mesmo que eu iria!

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Acho que foi nessa hora que errei o caminho!

É claro que à partir daquele momento um gelo polar tomou conta da minha barriga. Eu havia feito uma escolha e não tinha a menor ideia do que ela tratava. No final das contas deu tudo certo, mas sem excluir alguns perrengues. Minha estratégia para enfrentar a montanha, sem saber quanto tempo eu pedalaira na subida e como meu corpo reagiria com tanto peso naquelas condições, era simples: chegar o mais próximo possível da base da montanha e acampar por ali, para só no dia seguinte pela manhã, descansado e bem alimentado, fazer a travessia.

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Mais uma pra galeria sem comentários!

O passo de San Bernardino é muito conhecido por sua estrada cheia de curvas, sendo frequentemente utilizado como cenário para comerciais de motos e automóveis, mas é também uma das melhores opções para a travessia dos Alpes, pelo menos para um ciclista que não gosta muito de sofrer. A estrada geralmente fica fechada durante o inverno, ou seja, ela é muito sensível às condições climáticas. Com neve, nem pensar! Veículos automotores e bicicletas fazem juntos o primeiro trecho saindo de Thusis, mas logo existe a possibilidade dos carros acessarem uma estrada paralela, com uma sequencia de enormes túneis que cortam as montanhas, livrando o trecho mais bonito para que os ciclistas pedalem com mais tranquilidade. Este primeiro trecho já era muito bonito, e embora estivesse apenas no começo da subida, decidi parar em um pequeno restaurante para comer alguma coisa melhor do que o miojo que eu vinha consumindo diariamente.

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Prontinho pra atravessar!

Depois de um delicioso prato de salada de batatas com a típica salsicha alemã (apesar de estar na Suíça), que me custou 6 Euros, continuei minha jornada. Tudo corria tranquilamente quando passei a notar motoristas e motociclistas olhando feio para mim, buzinando e às vezes até gritando palavras desconhecidas, que mostravam uma visível irritação. Após passar por dois ou três túneis infinitamente perigosos, onde carros desenvolviam velocidade até 100km/h, percebi que eu estava no caminho errado! Em algum momento eu havia perdido a indicação do caminho para ciclistas e segui pela autopista, uma experiência horrível que eu não recomendo para ninguém. Ainda mais porque tudo que eu queria era viajar por um caminho bonito e tranquilo, independente de ser o mais curto ou não.

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Uma estrada cheia de curvas

Na saída de um dos túneis um motociclista de aproximadamente 18 anos me ajudou a acessar novamente a pista correta, esta sim muito mais tranquila, com menos carros e que zigue-zagueava a montanha como eu imaginara. Logo que entrei no rumo uma viatura da polícia suíça me seguiu e mandou que eu parasse. Perguntaram se eu havia pedalado pelo túnel, o que eu respondi de forma afirmativa. O policial me explicou que isso não era permitido, e ainda por cima era muito perigoso. Me pediu documentos e disse que eu deveria pagar uma multa. Enquanto um dos policiais se comunicava com a central pelo rádio, o outro manuseava um livreto – imagino que estivesse procurando a infração que eu havia cometido, para poder me autuar da forma correta. Após alguns minutos, depois de ter anotado meus dados, fui informado de que não seria necessário pagar a multa, mas que eu devia ficar atento pois tinha colocado minha vida em perigo. Os policiais me informaram quais placas eu deveria seguir, e quais eu tinha que evitar. Passado o susto, segui viagem.

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……e gelo

A subida parecia que não ia terminar nunca, e fiz uma infinidade de paradas. Para descansar, para beber água, para comer uma laranja, par tirar fotos. Tudo era desculpa para parar. Passei por um maravilhoso lago em cima da montanha e cheguei na vila de Splugen, onde decidi acampar. Poderia seguir e terminar a travessia naquele mesmo dia, mas eu estava tão encantado que queria passar mais tempo ali, imaginando que poderia nunca mais ver aquele lugar. Acordei cedo no dia seguinte, comprei algumas frutas numa banca e peguei a estrada novamente. Passei por alguns trechos ao lado do rio, que ganhava volume com as águas do gelo derretido das montanhas, numa cor de arrepiar! Em pouco tempo estava no colo da montanha mais pesada, aquela que aparece nas fotos.

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Tudo junto: montanha, subida e gelo!

A subida dá um pouco de medo, menos pela sua inclinação (já que ela não é íngreme mesmo) e mais porque a todo momento parece que você pode cair lá pra baixo. Foram incontáveis curvas, pra lá e pra cá, antes de chegar no passo propriamente dito. Conforme você vai subindo sente um vento mais frio, percebe mais gelo na montanha e um número cada vez menor de ciclistas. Ainda haviam alguns carros conversíveis e principalmente motocicletas, mas pouqissímos ciclistas (contei 2, além de mim). A chegada ao passo foi emocionante e eu tive vontade de chorar. Chorei! Não saberia explicar porque, mas a emoção era muito grande para mim. Estava há quase 3 meses pedalando sozinho, longe da família e dos amigos, vivendo a base de macarrão instantâneo e dormindo numa barraca brasileira, de uma das marcas mais baratas. Tudo aquilo veio à tona e eu não me dei ao trabalho de segurar as lágrimas – nem queria.

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Parece até livro do Paulo Coelho: As margens do sei lá o que sentei e chorei

Passado o momento de purificação, por assim dizer, me recompus e decidi descer. Parei na cidade de San Bernardino e me hospedei numa pensão. A descida daquele lado era muito mais inetnsa e duradoura do que a subida que eu havia pedalado. Mesmo assim optei por parar por ali e curtir o momento. Era o meu momento! No dia seguinte foram uns 30 quilometros de descida, quase sem ter que pedalar, num cenário deslumbrante. Eram meus últimos momentos na Suíça, mas já parecia com a Itália. As pessoas falavam italiano, as placas eram em italiano e até as cosntruções e vilas lembravam muito mais a Itália do que a própria Suíça. Me despedia do país do chocolate em grande estilo, e já me preparava para entrar num outro país, o que me traz sempre uma certa dose de incertezas, misturada com muita ansiedade!

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Essa parece até foto de revista

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Mais algumas curvas pra finalizar

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Atravessando o passo, de Thusis a San Bernardino

 

7 responses to “San Bernardino Pass – atravessando os Alpes

  1. Parabéns, Eduardo,
    bela conquista, coisa para sempre! E ainda com tempo excepcional, sorte rara!
    Como vai continuar? Via Bellinzona para Turino – Monaco – Marselha?

    Grande abraço

    Wolf

    Comovai continuar

    • Olá, Wolf, obrigado!
      Passei por Belinzona, Milano e acabei de atravessar os Alpes novamente, agora pelo passo do Grand San Bernard! Cheguei em uma cidade chamada Martigny, novamente na Suíça. Daqui vou pra Geneve, a caminho da França….
      GRande abraço!

      • Ótimo! Vais fazer o Lac Léman inteiro e depois rolar pelo rio Rhône…maravilha.
        Nem consigo fazer o rio Pinheiros – a ciclovia está fechada…

        Abraços

        Wolf

      • SIM! Lac Léman inteiro, pela parte francesa!!!
        A ciclovia do rio Pinheiros parece piada, deve ser o único lugar do mundo que ciclovia tem horário de funcionamento!

  2. Fala meu primo !!!!!! Fiquei emocionado com este post… Estamos juntos com voce… Abracao !!!!

  3. Sei que estou atrasada 4 meses, já deve ter visto e passado por tanta coisa depois deste post… mas é inevitável comentar, que lindo!!. Me emocionei..

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